Em meio a uma crise mundial pandêmica, o que mais se ouve falar nos principais veículos de notícias é sobre o número de vidas que se foram, por conta da Covid-19, e também dos prejuízos econômicos que essa situação caótica trouxe como consequência. Mas algumas outras situações também devem ser tratadas com uma atenção especial, como a saúde mental das pessoas que estão em isolamento social, em especial, a saúde das crianças.
Apesar da taxa de mortalidade dessa faixa etária ser significativamente menor que o grupo de adultos e idosos, por exemplo, não podemos descartar a suscetibilidade dos problemas psicossociais que acabam acometendo os pequeninos.
Um estudo realizado este ano pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em meio ao cenário pandêmico, revela que esta situação atípica tem trazido muitas mudanças no cotidiano das crianças, desencadeando comportamentos mais impacientes, agitados e até mesmo ansiosos, neste período de excepcionalidade. O estudo também envolve as crianças em situação de vulnerabilidade social e portadoras de necessidades especiais, as quais necessitam de cuidados mais específicos, em razão das suas limitações.
A técnica em prótese dentária, Raquel Rech, de 35 anos, fala de como este período tem mexido com o emocional da sua filha, Joane Heloíse, de 6 anos. “A minha filha tinha uma rotina normal, como todas as outras crianças da idade dela, de 6 anos. Ela acordava e ia para a escola, fazia as tarefas e se dividia entre brincar com os amiguinhos e assistir a sua TV”, conta. “Com o isolamento causado pela pandemia, toda a rotina que ela tinha fora de casa precisou ser mudada. As atividades escolares agora são desenvolvidas online e as brincadeiras com os amigos se tornou inviável. A situação a angustiou, e quando ela não enjoa de assistir a sua televisão, em alguns momentos ela também acaba chorando e me dizendo que ‘não tem nada para fazer dentro de casa’. Isso me deixa triste também, porque os recursos que uso para entretê-la já não são mais eficazes como no começo do isolamento”, relata Raquel.
A psicóloga e professora da Faculdade UniFTC do Comércio, Leonara Silva, diz que “o contexto atual vivenciado por conta da Covid-19 pode gerar diferentes repercussões em crianças, e isso dependerá dos seus aspectos socioculturais, além da idade e dinâmica familiar. De modo geral, temos observado dificuldade de dormir, de se alimentar, perda de apetite, assim como, agressividade, impulsividade, desobediência e irritabilidade entre outros”, explica Leonara.
Um fato preocupante dentro desse contexto são as crianças que perderam parentes por conta do vírus. Segundo Leonara, o modo como a morte de alguém é noticiado às crianças pode ter consequências ruins para o seu desenvolvimento e o processo de luto, uma vez que elas podem ter reações de raiva, medo, culpa ou até, mesmo, se sentirem enganadas por aquele(a) que se foi, criando assim pensamentos não realistas a respeito disso.
Apesar de os responsáveis pelos pequeninos também estarem passando por momentos estressantes por consequência da pandemia, eles possuem um maior controle emocional para segurar esse momento, por isso, é imprescindível que os adultos utilizem de alguns artifícios para amenizar a angústias das crianças.
“Explicar de forma simples e verdadeira a criança o que está acontecendo e sobre o que estamos vivendo, a depender da idade utilizando desenhos, por exemplo. Manter uma rotina, sempre que for possível, especificando horários para refeições e atividades escolares e de lazer, ter momentos de atividades lúdicas e prazerosas, ou seja, realizar atividades e brincadeiras em família, permitir que as crianças falem dos seus sentimentos, tais como tristeza, saudade e conversar com elas as ensinando que é natural senti-los. Permitir que a criança expresse suas dúvidas e esclarecê-las, evitar uso de dispositivos eletrônicos momentos antes de dormir para não atrapalhar o sono. Isso é importante para a regulação emocional”, complementa Leonara Silva.